Inteligência Artificial e o Judiciário: eficiência com responsabilidade

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Arte com as palavras Artigo da Presidência, em azul, e a logo dos 50 anos na parte superior

A trajetória histórica da humanidade tem convergido progressivamente para a inteligência artificial, uma tecnologia desenvolvida para aprimorar e simplificar as interações sociais. Nas áreas de saúde e segurança, a IA já demonstra avanços significativos. O campo jurídico não ficou à margem dessa transformação. Profissionais do Direito, incluindo advogados, promotores, defensores públicos e magistrados, encontram-se diante de recursos tecnológicos que aceleram pesquisas, sistematizam dados e auxiliam na elaboração de peças processuais e sentenças.

Esta evolução apresenta aspectos favoráveis evidentes. Considerando um sistema judicial assoberbado de processos, que persegue a celeridade e produtividade sem sacrificar a qualidade decisória, essas ferramentas tecnológicas podem diminuir o tempo gasto em atividades mecânicas e repetitivas. Isso libera os profissionais para concentrarem seus esforços no que genuinamente exige capacidade humana: o raciocínio jurídico aprofundado, a construção de argumentos consistentes, a valoração de princípios e a busca pela solução justa para cada situação específica.

Porém, simultaneamente aos benefícios, a inteligência artificial apresenta riscos consideráveis quando empregada de forma irrefletida. Nos processos judiciais de maior complexidade, sejam eles eleitorais, criminais ou cíveis, os operadores do direito carregam elevada responsabilidade em suas atuações. Um dado incorreto ou impreciso pode alterar completamente o resultado de um julgamento e abalar a legitimidade da decisão proferida.

No ambiente eleitoral especificamente, identificam-se vantagens concretas. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro lançou o Projeto IA Jud - Justiça Inteligente, voltado ao estímulo da inovação institucional. A iniciativa busca promover a utilização de ferramentas de inteligência artificial generativa, oferece capacitação aos servidores, divulga orientações e melhores práticas, estabelece uma política de Uso, cria um Portal de Inteligência Artificial e realiza workshops para avaliar os produtos desenvolvidos.

A adoção dessa tecnologia pode aperfeiçoar numerosos procedimentos internos, elevando a eficiência e a produtividade dos servidores em suas rotinas diárias, desde a elaboração de documentos até o exame de informações. Além disso, estimula a cultura de inovação e o desenvolvimento de soluções sob medida para os desafios do Tribunal, melhorando o atendimento prestado ao cidadão.

Ao apostar na qualificação profissional e na aplicabilidade da IA, o TRE-RJ não se restringe a atender às orientações do Conselho Nacional de Justiça, mas estabelece fundamentos para uma cultura de inovação duradoura e para conquistas expressivas em produtividade e eficiência em todos os setores da instituição.

Entretanto, há também ameaças preocupantes quanto ao uso das ferramentas, com potencial de aumento dos julgados. Um dos riscos mais graves está na multiplicação de conteúdos fraudulentos e na fabricação de deepfakes. A inteligência artificial generativa possibilita a criação de vídeos e áudios que simulam com precisão a voz e a aparência de personalidades políticas, fazendo-as parecer pronunciar declarações jamais proferidas. Essa tecnologia pode ser instrumentalizada para manipular informações e propagar notícias fraudulentas em larga escala. Este tipo sofisticado de desinformação possui capacidade de corroer a confiança pública e distorcer a avaliação do eleitorado sobre a idoneidade dos candidatos.

Frente a esse cenário árduo, o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu regulamentações para assegurar a integridade dos processos eleitorais, buscando equilibrar o aproveitamento tecnológico e preservação da lisura do pleito. Entre as providências mais relevantes está a vedação de deepfakes destinadas à desinformação, prática classificada como ilícito eleitoral. Adicionalmente, a utilização de inteligência artificial em materiais de campanha precisa ser expressamente indicada, garantindo transparência ao eleitor.

As plataformas digitais também são responsabilizadas nesse contexto. Elas podem receber notificações para remover conteúdos que disseminem desinformação, acelerando o enfrentamento dessas práticas nocivas.

Em todas as especialidades jurídicas, as qualidades éticas de quem atua perante o Judiciário iniciam-se com a lealdade processual, que se expressa na condução sensata dos aspectos humanos, sociais, legais e justos da demanda até sua resolução final. Raciocinar de maneira oposta poderia conduzir à litigância de má-fé, comportamento que deve ser evitado.

Na condição de magistrado, já presenciei petições geradas por inteligência artificial, sem qualquer revisão por parte do advogado que as subscreveu. Muitas dessas peças contêm acórdãos inexistentes, excertos doutrinários fictícios e citações que jamais proferidas. Esse tipo de conduta viola os princípios da honestidade, transparência e boa-fé processual, pode induzir o julgador ao erro e causar prejuízos severos às partes envolvidas, além de motivar sanções disciplinares pela Ordem dos Advogados do Brasil. A inteligência artificial não pode ser responsabilizada por litigância de má-fé, mas quem a utiliza inadequadamente pode e deve ser punido.

Também tem causado grande inquietação a possibilidade de alguns magistrados empregarem modelos prontos de IA para fundamentar decisões sem realizar a necessária revisão crítica. Isso enfraquece a independência judicial e compromete a credibilidade do sistema de Justiça. A sociedade necessita confiar que cada decisão resulta da análise cuidadosa de um juiz imparcial, e não de um algoritmo programado.

A inteligência artificial deve ser compreendida como um instrumento de apoio, útil para tornar a atividade jurisdicional mais eficiente. Contudo, sua utilização precisa ser acompanhada de transparência, rigor técnico e responsabilidade ética. Do contrário, abre-se margem para equívocos e graves injustiças.

O grande desafio dos operadores do Direito consiste em harmonizar Justiça e tecnologia sem perder de vista a confiança social nas instituições e o devido processo legal. Isso demanda protocolos claros de utilização, formação continuada para advogados, magistrados e servidores e, principalmente, a consciência de que a decisão judicial deve sempre resultar de reflexão pessoal, com fundamentação própria e verificável.

O silêncio sempre continua a ser preferível em relação à defesa de argumentos que não podem ser comprovados. As informações falsas têm por objetivo estrangular a ritualidade adequada do processo e seus princípios fundamentais.

A inteligência artificial pode auxiliar e democratizar o acesso ao Direito, mas jamais substituir a tarefa de julgar. Julgar significa interpretar a lei à luz da Constituição, aplicar a norma ao caso concreto e buscar a solução justa com consciência crítica, compromisso com a verdade e, sobretudo, com humanidade. Essa é uma responsabilidade que nenhuma máquina pode assumir em nosso lugar.

Que a modernidade traga a inteligência artificial, sim. Mas acompanhada de informações exatas e verdadeiras sobre os fatos e o Direito. Somente dessa maneira será possível encontrar razão e equilíbrio na resposta jurisdicional justa e célere. Que venha para promover o bem comum.

Desembargador Peterson Barroso Simão
Presidente do TRE-RJ

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