1945 - 1959

Ao fim do Estado Novo, em 1945, o Brasil havia se modernizado. A crescente industrialização trouxe as massas urbanas para o centro do cenário político. A participação delas no processo decisório do país daria origem às políticas populistas. A origem do populismo no Brasil data das disputas geradas na crise do Estado brasileiro durante a República Velha: o novo pacto que garantiu estabilidade ao país teve de incluir não apenas as oligarquias, mas também as massas urbanas.

O operariado industrial seria incluído no sistema político do país. “O populismo implicaria na manipulação das massas, mas também a satisfação de aspirações longamente acalentadas”, diz Barros (1984, p. 2795). Assim, embora houvesse controle sobre os operários, mecanismos de barganha e satisfação de demandas eram ativados. O maior exemplo vem da concessão da legislação social no período do Estado Novo (1937-1945). O antropólogo Gilberto Velho (2002, p. 46) salienta que, em contraposição, a cultura autoritária brasileira fortaleceria um de seus elementos mais recorrentes, o personalismo.

A lógica social da barganha clientelista (da apropriação privada dos bens públicos, da tutela e do favor) passa a adquirir uma outra dimensão. Ela deixa de ser feita apenas entre o chefe político local e sua clientela para se tornar uma barganha com uma imensa coletividade, os trabalhadores urbanos. Em troca, eles se tornam a base de sustentação do governo. Uma barganha que ocorre sem as mediações de instâncias políticas tradicionais (como partidos políticos) e que inibe formas políticas autônomas de organização da sociedade civil. O populismo pretende operar numa relação direta entre governantes e governados.

No conceito "democracia regulada", cunhado por Wanderley Guilherme dos Santos, tratava-se de uma extensão regulada da cidadania, ou seja, uma cidadania em que as raízes não estão no código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, definido por norma legal. Cidadãos eram todos aqueles que exercessem as profissões e ocupações reconhecidas e definidas por lei. O Estado selecionava quem era admitido como cidadão e os hierarquizava, cedendo-lhes direitos restritos ao lugar que eles ocupassem no processo produtivo, tal como descrito pela legislação. Excluíam-se os trabalhadores rurais e parte dos urbanos. Regulamentação profissional, carteira de trabalho e sindicato público (sob controle do governo) eram os parâmetros da cidadania (SANTOS, 1987, 68).

 

Momentos de tensão e ameaça à ordem democrática:

  1. Após a vitória de Vargas nas eleições de 1950, seus adversários políticos tentaram impedir a posse com o argumento de que ele não teria obtido metade mais um dos votos válidos (o que nem estava estabelecido na Constituição em vigor).
  2. Em agosto 1954, um manifesto dos oficiais da Aeronáutica exigia a saída do presidente eleito Getúlio Vargas. Logo depois, seria a vez do Exército. Vargas recusa-se a renunciar e opta pelo suicídio, no dia 24 daquele mês.
  3. Após a vitória de Juscelino Kubitschek e João Goulart para um mandato de 31 de janeiro de 1956 a 30 de janeiro de 1961, uma campanha foi iniciada para impedir a posse dos eleitos. Organizado para garantir a legalidade, cria-se o Movimento de 11 de Novembro, no qual se destacou o ministro da Guerra, General Henrique Teixeira Lott. Em janeiro de 1956, a chapa vitoriosa foi empossada.

 

Códigos Eleitorais de 1946 e 1950

Em 24 de junho de 1950, o presidente da República Eurico Gaspar Dutra sanciona o novo Código Eleitoral, em solenidade no plenário do Tribunal Superior Eleitoral, que funcionava no prédio histórico da Rua Primeiro de Março, no Rio de Janeiro.

No que se refere aos partidos políticos, o Código de 1945 (conhecido como Lei Agamenon), trouxe duas inovações: a exclusividade da candidatura por meio dos partidos políticos (foi proibida a candidatura avulsa) e a exigência de que os partidos tivessem caráter nacional. Somada à obrigatoriedade do voto em sufrágio universal, a exclusividade dos partidos políticos na apresentação das candidaturas levou ao estabelecimento de novas relações entre candidatos e eleitores. A ampliação do eleitorado fez as campanhas eleitorais ganharem importância. Os manifestos políticos passaram a ser panfletos de propaganda, os comícios microfonados tornaram-se parte do cenário urbano e os candidatos começaram a distribuir apertos de mão e sorrisos.

A obrigatoriedade do voto, nesse período, foi motivada pela expectativa de engajar a população a um projeto de nação, persuadi-la sobre a ideia de que, na qualidade de cidadãos e cidadãs, todos precisavam participar do jogo político necessário à construção de um país democrático.

O Código de 1945 mantinha a possibilidade de qualificação e inscrição do eleitor ex officio, ou seja, estavam autorizados a realizá-las os chefes de repartições públicas, entidades autárquicas, paraestatais ou de economia mista e os titulares das seções da Ordem dos Advogados e dos conselhos regionais de engenharia e arquitetura. Também trouxe disposições específicas que visavam garantir o sigilo do voto, dentre as quais está o emprego de sobrecartas oficiais, uniformes e opacas. No mesmo sentido de moralizar os pleitos, o código determinava que o cidadão, caso se inscrevesse mais de uma vez com vistas a burlar o processo eleitoral, seria submetido à pena de detenção de três meses a um ano. Se tentasse votar mais de uma vez ou votar no lugar de outro eleitor, a pena seria de detenção de seis meses a um ano.

O Código de 1950 inseriu critérios para a padronização cédulas e acabou com o alistamento ex officio. Por sugestão do presidente do TSE, ministro Edgar Costa, o Congresso Nacional aprova, em 1955, a Lei n° 2.250, que criou a folha individual de votação. A medida fixa o eleitor na seção eleitoral, para abolir a fraude da duplicidade de títulos, usados para votar em seções diferentes. A folha de votação fica mantida no cartório.

No mesmo ano, a Lei n° 2.582 criou a cédula de votação oficial, embora fosse facultado aos partidos políticos fabricar e distribuir cédulas de acordo com o modelo enunciado pela lei. A cédula oficial guardou a liberdade e o sigilo do voto, facilitou a apuração dos pleitos e contribuiu para combater a influência do poder econômico, ao liberar os candidatos de gastos com a impressão e a distribuição de cédulas.

 

Ampliação do eleitorado

Em 1945, a obrigatoriedade foi resgatada na Lei n.º 7.586. O exercício do voto passou a ser obrigatório a homens ou mulheres, a menos que fossem mendigos, alguns tipos específicos de militares, inválidos, maiores de 65 anos, magistrados, funcionários públicos em viagem de férias ou, no caso das mulheres, se não possuíssem profissão lucrativa.

A redução da idade mínima para votar, de 21 para 18 anos, e a imposição da obrigatoriedade do voto criou uma expectativa de ampliação do eleitorado que não se refletiu de imediato no comparecimento às urnas. Em 1945, a eleição do presidente da República teve a participação de apenas 15 % da população total.

 

Acontecimentos políticos

1947

  • O Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional dão o consentimento legal para suprimir o registro do Partido Comunista (PCB) e cassar os mandatos do senador Luiz Carlos Prestes e de 14 deputados federais, além de centenas de deputados estaduais e vereadores. A Central Geral dos Trabalhadores (CGT) é fechada e há intervenção do Governo Dutra em 146 sindicatos.
  • O Brasil rompe relações diplomáticas com a União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS).

 

1950

  • As candidaturas de Getúlio Vargas, a presidente, e Café Filho, a vice, são lançadas. Durante a campanha, o jornalista Carlos Lacerda escreve na Tribuna da Imprensa: "O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar."
  • Getúlio Vargas vence a eleição à Presidência da República, obtendo a maioria dos votos válidos em 18 das 24 unidades da Federação.

 

1953

  • Após campanha de mobilização popular, Getúlio Vargas cria a Petrobrás e institui com ela o monopólio total da extração e parcial do refino do petróleo.
  • Com o mote de campanha "tostão-contra-o-milhão", Jânio Quadros é eleito prefeito de São Paulo.

 

1954

  • Francisco Julião cria a primeira Liga Camponesa, em Pernambuco, com o objetivo de organizar a luta dos camponeses contra o latifúndio.
  • Em março, a UDN propõe no Congresso Nacional o impeachment (impedimento) do presidente Getúlio Vargas, mas sem sucesso.
  • No Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, Getúlio Vargas anuncia o aumento de 100% do salário mínimo, com um discurso em que valoriza o exercício do voto pelo trabalhador: "Há um direito que ninguém vos pode privar: o direito do voto. E pelo voto podeis não só defender os vossos interesses, como influir no próprio destino da nação. Como cidadãos, a vossa vontade pesará nas urnas. Como classe, podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número. Constituís a maioria. Hoje, estais com o governo. Amanhã, sereis governo."
  • Vítima de um atentado em que morre o major da Aeronáutica Rubens Vaz, o líder oposicionista Carlos Lacerda é ferido no pé, em 5 de agosto.
  • No início da madrugada de 24 de agosto, Getúlio Vargas entrega uma Carta-testamento a João Goulart. Às 7h, Vargas recebe o ultimato dos generais, que exigem a renúncia do presidente. Às 8h30, Getúlio Vargas comete suicídio. Às 9h, a Carta-testamento é lida na Rádio Nacional, causando comoção popular. A população sai às ruas, para lamentar a morte do presidente.
  • Getúlio Vargas é sepultado em São Borja-RS, sua cidade natal. No traslado do corpo do Rio de Janeiro para o Rio Grande do Sul, uma multidão acompanha o corpo dele do Catete ao aeroporto Santos Dumont.
  • O vice-presidente Café Filho assume a Presidência da República.

 

1955

  • Juscelino Kubitschek é eleito presidente com 36% dos votos e João Goulart, vice.
  • O presidente Café Filho alega doença e deixa a Presidência da República. Assume o governo o presidente do Congresso, Carlos Luz, que demite o general legalista Teixeira Lott e conspira para impedir a posse de JK e de Jango.
  • Teixeira Lott comanda o "golpe da legalidade", quando o Exército entrega o governo ao presidente do Senado, Nereu Ramos, para que garanta a posse do presidente e do vice eleitos.

 

1956

  • Juscelino cria a Empresa Construtora de Brasília (Novacap), que inicia a construção da nova capital e conclui a obra dentro do prazo previsto de três anos.

 

1958

  • O governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, estatiza duas empresas multinacionais, a Bond&Share e a ITT.
  • Em São Paulo, o rinoceronte Cacareco é "eleito" vereador da capital, com mais de cem mil votos.

 

1959

  • Ocorre o primeiro sequestro político de avião no Brasil. Oficiais da Aeronáutica rebelados sequestram um avião da Panair e voam para Aragarças, no Brasil Central. Após os rebeldes serem presos, o presidente Juscelino Kubitschek concede-lhes anistia.
  • São lançadas as candidaturas à Presidência da República. O general Lott é o candidato da coligação PSD-PTB e Jânio Quadros tem apoio de vários partidos, liderados pela UDN.

 

Autoria: Comissão Regional do Projeto Memória – TRE/RJ

 


 

Referências Bibliográficas principais

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Eleições no Brasil: uma história de 500 anos. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2014, 99 p. (pesquisa histórica e elaboração dos textos: Ane Ferrari Ramos Cajado, Thiago Dornelles e Amanda Camylla Pereira; revisão: ministro Costa Porto). Acesso em setembro de 2015.

Períodos da História Eleitoral. Disponível em https://www.tse.jus.br/institucional/museu-do-voto/museu-do-voto. Consultado em 29/10/2015.

PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Rio de Janeiro: Lexikon, 2012.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. "O Voto que Faz a Nação", in INSIGHT INTELIGÊNCIA, edição 47 (outubro, novembro e dezembro), 2009, p. 78-88.

 


Referência complementar

BARROS, Edgar Luís de (1984). “Populismo”. In: BELOCH, Israel e ABREU, Alzira Alves de (org.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro 1930-1983. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas.

RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barrancos - como o Brasil deu no que deu. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Dois S.A., 1985.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro, Campus, 2.ª edição, 1987.